Apesar deste site chamar-se Mulher XL, nós nos sensibilizamos com a luta dos homens gordos. Apesar das mulheres terem mais cobranças na vida social, os homens conseguem ser muito mais alvo de piadas duras. Deixamos aqui o testemunho do Luís Felipe:
Texto extraído do Facebook Gente Gorda do Luís Felipe.
Facebook Gente Gorda
“Não, esse não é um texto enaltecendo o meu “novo eu” (com 20kgs a menos), embora o post seja ilustrado com um “antes e depois”. Sim, eu perdi vinte quilos nos últimos dois meses e esse texto é pra contar a minha experiência, baseada exclusivamente na minha vivência. Meu nome é Luís Felipe, muito prazer. Fiz 25 anos na semana passada, tenho 165cm de altura e desde SEMPRE tive problemas com o meu peso, com o meu corpo e consequentemente com a balança.
Fui a criança “gordinha”, aquela que as tias adoram apertar a bochecha e chamar de “coisa mais fofa”. Digo criança “gordinha” porque desde cedo me ensinaram a categorizar níveis de gordura. Gordinho, fofinho, “cheinho” e uma infinidade de adjetivos que hoje eu tenho pavor. Eu nunca era “gordo”, porque ser gordo era algo ruim e me ensinaram isso muito cedo. Eu era o meio termo. Não era magro, mas também não era aquele menino “enorme” que estava passando na praia (sempre usavam alguém obeso pra ilustrar que eu estava longe de ser gordo). Minha infância aconteceu nos anos 90, não se ouvia falar em bullying, gordofobia e não havia nada que me protegesse de todo aquele preconceito travestido de piada.
Tive um tio em específico, que, mesmo que de forma inconsciente, foi cruel comigo e me causou traumas psicológicos quase irreversíveis. Ele me apelidou de “melancia” e sempre dizia nas reuniões de família que eu tinha engolido uma melancia inteira, e, por isso, tinha aquela barriga enorme. Lembro em slow motion de todos os meus primos gargalhando dessa piada, enquanto eu também simulava achar graça com um sorriso amarelo, daqueles que você só abre a boca e dá uma fechadinha nos olhos pra fingir que está tudo bem. Não estava. Das minhas dietas mais antigas, lembro que tinha oito anos de idade. Eu e uma outra prima minha (que também sofria com a mesma pressão ou talvez ainda maior por ser menina) nos reuníamos nas férias para irmos até a farmácia para nos pesarmos e calcularmos quantos quilos iríamos emagrecer até a volta às aulas. Oito anos de idade. Você tem noção do quão ruim é pra uma criança de 8 anos estar preocupado em emagrecer ao invés de ir brincar e fazer coisas de criança?
Todas as dietas fracassavam, aumentando a minha frustração e o meu ódio ao meu corpo. As festas de família sempre foram como uma tortura pra mim, as pessoas não me recebiam com um “olá, tudo bem?”, “quanto tempo”, “nossa que, saudade, etc”, a porrada de boas vindas era sempre um “como você engordou”, “tá fortinho, hein”, “cada vez maior, né?” acompanhando de um “hehehe” em slow, que sempre chegava aos meus ouvidos com a voz do capiroto, enquanto meus primos eram recebidos com “nossa, como cresceu”, “tá lindão, hein”, “cada dia mais bonita” e pronto, estragava meu dia e aquelas frases ficavam ecoando na minha cabeça durante dias, semanas, meses e anos (considerando que ainda lembro em HD de todos esses episódios).
Aos 11 anos, pesando 45kgs (enquanto todas as crianças da minha idade pesavam no máximo 35), descobri que tinha hipotireoidismo, uma disfunção na glândula da tireoide, que quando não tratada (que era o meu caso) contribui entre outra coisas para ganho de peso ou inchaço por retenção de liquido. Tcharam! A descoberta passava a explicar muita coisa na minha vida, afinal, nunca fui uma criança comilona, meus pais até então não sabiam o porquê de eu ser gordo, sendo que eu seguia uma alimentação balanceada e saudável. Com o tratamento, emagreci 15kgs e passei a descobrir a vida de uma criança magra. Tudo muda! Você passa a receber elogios recorrentes sobre a sua aparência, “uau, como você está lindo”, “nossa, tá de parabéns, hein”, “me conta o segredo desse sucesso todo”, e novamente é impossível você não associar o “ser gordo” como algo ruim e o “ser magro” como algo bom. As festas de família passaram a não ser mais um problema, comecei a amar o meu corpo e a me despir na frente de qualquer pessoa sem a menor vergonha.
Tive as minhas primeiras namoradinhas, entrei pro time de garotinhos cobiçados do colégio e tudo parecia ser muito mais interessante do que era antes. Alguns anos se passaram e eu voltei a engordar, mais uma vez sem muita explicação, o tratamento da tireoide continuava, minha alimentação aparentemente era saudável. Entrei no ensino médio com 15 quilos acima do maldito “peso ideal” (ideal pra quem?) e foi então que eu descobri que conseguia emagrecer com dietas radicais, quase ficando sem me alimentar durante o dia inteiro. Perdi quatorze dos quinze quilos e todo aquele ciclo da minha infância voltou a acontecer: elogios, namoradinhas, interesse, etc, etc, etc. Mais uma vez aquela associação de que ser gordo é ruim foi se solidificando dentro de mim. Dali em diante passei a viver em efeito sanfona, engordava, mas logo emagrecia, às vezes acontecia mais rápido, em outras demorava mais pra emagrecer. A oscilação de peso durante 1 ano era de até uns 15 quinze quilos, mas tudo sempre pareceu sob controle, afinal, eu sempre conseguia emagrecer. Se pegarem as minhas fotos de 2010 até 2014, você vai encontrar inúmeros Luís Felipe, em janeiro magro, em março gordo, em junho magro, em agosto gordo, em outubro magro, em dezembro gordo e por aí vai.
Em 2014 as coisas meio que saíram do meu controle, eu comecei o ano “magro”, mas passei a engordar e não consegui mais emagrecer. Ficava aquela sensação de “ué, mas eu sempre consegui, uma hora vai”, tentei, tentei, tentei e fracassei em todas as dietas. Cheguei a 94 quilos (lembre-se que tenho 165cm de altura). Apesar de toda a pressão social para que eu emagrecesse, eu estava tentando um processo quase inconsciente de empoderamento do meu eu gordo. Motivo? Eu sempre me achei bonito, eu não me via do tamanho que a sociedade me via porque eu simplesmente era daquele tamanho e eu gostava de mim daquele jeito, mas não demorava muito pra eu lembrar que eu não era aceito socialmente e cair por terra toda aquele empoderamento que eu estava construindo. Inúmeras vezes eu me olhei no espelho antes de sair de casa com o pensamento de “nossa, como você está lindo hoje” e ao pisar na rua encontrar alguém me olhando torto pelo simples fato de eu ser gordo. Acreditem, isso acontece com uma frequência muito maior do que você, magro, imagina, só os gordos sabem. Os olhares eu já estava acostumado, principalmente em restaurantes, todo gordo sempre possui fiscais de prato, como se a gente não tivesse o direito de comer.
O agravante aconteceu em 2015, quando sofri um ataque gordofóbico no meio da rua, gratuitamente, pelo simples fato de estar caminhando na frente de três homens magros que achavam que eu precisava andar mais rápido porque gordo só atrapalha o fluxo da calçada. Sim, foi nesse nível, acompanhado de um empurrão e um “corre se não nós vamos te bater”. Traumatizante. Após o ataque eu cedi mais uma vez a pressão social, não que eu me orgulhe, mas também não me envergonho ou me culpo (afinal, a vítima NUNCA pode carregar uma culpa que não é dela e eu simplesmente cansei de carregar uma cruz que não é minha). Iniciei um processo de emagrecimento pela milionésima vez, que durante alguns meses aconteceu de forma bem lenta, até eu diagnosticar mais um problema que até então sempre esteve comigo, mas nunca foi identificado de forma clara: a ansiedade.
Comecei um tratamento psicológico, pra curar todas essas feridas que eu carrego ‘since ever’, e pra amenizar de alguma forma toda essa ansiedade que me domina e me faz descontar tudo na comida. Dois meses atrás terminei as
sessões de terapia e me senti pronto pra emagrecer tudo de uma vez, perdi 22 quilos e não foi com nenhuma dieta acompanhada por um nutricionista ou com indicação médica, fiz por conta própria, com muitos erros, fodendo de alguma forma com a minha saúde, mas emagreci. Lembra daquele velho ciclo pós emagrecimento? Ele está de volta, só que agora eu já não sou mais o mesmo.
A cada “nossa, como você está lindo”, é um tapa na cara do Luís Felipe com 20kgs, e aquele Luís Felipe ainda sou eu. O tapa dói em mim também. (pausa pro choro). Aquele Luís Felipe era bom, apesar da sociedade demonizá-lo, aquele Luís Felipe era lindo, apesar da sociedade enfeiurá-lo, aquele Luís Felipe era um ser humano como outro qualquer, apesar da sociedade transformá-lo em piada. E eu vou lutar por ele, porque eu simplesmente cansei de abandoná-lo como já fiz inúmeras vezes durante a minha vida, eu não quero mais ouvir que estou melhor do que antes, eu não quero que me parabenizem por deixar ele pra trás, ele já sofreu demais pra ter que continuar sofrendo mesmo não estando mais aqui.
Sim, eu estou me amando, amando meu corpo, estou feliz com o emagrecimento, não vou ser hipócrita de dizer o contrário, mas vale lembrar que eu já me amava antes, o que eu vejo hoje no espelho, é a mesma coisa que eu via 20kgs a mais. No espelho eu não vejo a diferença de ter 20kgs a menos, consigo sim observar a diferença nas minhas fotos, nesse antes e depois, mas no espelho que é onde faço um encontro diário comigo, o mesmo Luís Felipe de sempre está ali e eu gosto dele, sempre gostei e espero sempre gostar. É bom deixar muito claro que o Luís Felipe da direita é tão importante, legal e bonito quanto o
da esquerda.
Talvez eu tenha perdido essa guerra ao ceder a pressão, mas no fim das contas, o importante é que eu estou feliz e em paz comigo mesmo, não mais exclusivamente por ter emagrecido, porque os problemas da vida não acabam quando você emagrece (apesar de muito gordo achar isso), mas pelo processo de empoderamento que hoje entendo de forma mais clara, por aprender a amar o meu eu gordo (apesar de ser muito fácil dizer isso estando magro), mas principalmente por perceber que internamente algo em mim mudou e que se eu voltar a engordar seja lá pelo motivo que for, eu vou me abraçar e dizer tudo bem, ser gordo não é mais uma cruz. Ser gordo é lindo!
Empodere-se!”